12 de nov. de 2011

Quintana in Cômoda (agosto de 2006)


Foto: divulgação

Precisamos de início e fim e porquê?

Você adquire a sua entrada e entra no teatro. Escolhe uma poltrona e senta. A peça começa e você a assiste. Ela termina e você embora. Certo? Errado no caso de “Quintana in Cômoda”, que mostra que nem tudo na produção artística é narração.

Três personagens não muito malucos, mas completamente indefiníveis, saem das gavetas de uma cômoda muito maluca, mas bem definida. Aí os personagens voltam pra dentro das mesmas gavetas de onde vieram, levando nos lábios a certeza de ter destruído a milenar e centenária estrutura aristotélica e bakhtiniana de narração. Pode, pois, uma história prender o público justamente por não ter história nenhuma? Pode. O grupo de Erechim prova que sim.

Na verdade, o fato não é a ausência total de história. Há, sim, uma coisinha aqui, outra ali de enredo. Alguém sai de um lado do palco e chega até o outro, e, no caminho, cruza com outro alguém que lhe dá algo significativo. E, assim, uma sucessão de pequenos eventos que não se relacionam uns com os outros porque não têm, assumidamente, o objetivo de se transformarem num crescente, num ápice, na resolução de um conflito, num ponto de mudança a la Syd Field ou algo do gênero. E é aí que se encontra o grande valor de “Quintana in Cômoda” para o palco porto-alegrense, para a continuidade da obra de Quintana, para, enfim, as nossas almas.

Adaptar é uma tarefa assustadora para qualquer artista. Transpor uma obra artística para outra é algo ainda pior. Quantos de nós já assistimos a filmes que muito se distanciaram dos livros de que foram adaptados? E músicas vindas de poemas? E quadros vindos de personagens literários? E esculturas de salmos? Podemos dizer, com segurança, que uma obra é uma obra e não outra, e não duas, e não três, e não qualquer adaptação. “Quintana in Cômoda, não é, pois, uma adaptação. É uma obra separada de qualquer outra. Notem que, quando digo outra, me refiro à palavra OBRA. Assim, justifico o que já é dito sobre essa mais nova produção do grupo Teatro de Gaiola: “Quintana in Cômoda” é uma adaptação teatral das imagens do poeta centenário.

Não perguntem de qual livro saiu o poema tal ou de que texto veio o personagem xis. Tudo saiu do universo quintanar, da obra completa, do verso-alma, do texto-imagem. Por isso, proporciona tanto prazer assistir à “Quintana in Cômoda”: não somos motivados a buscar um culpado, a sentir pena de uma vítima, a querer saber o final. Nossa tarefa é, unicamente, sentar e nos deleitar com as imagens que nos são apresentadas tal como num poema, tal como numa canção, como num quadro com moldura, um pôr-do-sol, uma plantação de girassóis, um balé bem coreografado, uma peça bem feita.

E, embora tenha sido dito que as coisas em “Quintana in Cômoda” não precisam de um porquê para existir ou acontecer devido a supressão da linha de causa e efeito, convém dizer que a peça faz sucesso porque é bem interpretada, porque é bem dirigida, porque tem uma luz, um cenário e uma trilha que funcionam, e porque nada se destaca. Assim é quando acordamos após uma noite cheia de sonhos: nem sempre dá pra lembrar qual deles foi o mais importante.

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FICHA TÉCNICA

Roteiro:Ana Carolina Makki Dal Mas
Direção:Fabiano Tadeu Grazioli
Cenografia:Jolcinei Luis Bragagnolo
Figurino:Fabiano Tadeu Grazioli e Jolcinei Luis Bragagnolo
Trilha Sonora: Fabiano Tadeu Grazioli
Iluminação: Ana Carolina Makki Dal Mas
Maquiagem: Grupo Teatro de Gaiola

Elenco:
Adriano Massaro
Ana Carolina Makki Dal Mas
Tiago Luis Rigo

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