15 de nov. de 2011

Argumento para o espaço

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro

Amostra de técnica, mas nada além

Não importa quão cheia de curvas seja a letra, quantos detalhes suas formas assumam em relação ao básico, seu tamanho e preenchimento, tampouco o lugar que ocupam na folha. Se elas não estiverem articuladas umas às outras, as letras não significarão e, aqui, faço questão de lembrar que a ausência de significado é, também, um significado e, portanto, também carece de articulação. Ainda na mesma metáfora, sabe-se que a articulação é exercício da percepção, mas também é sabido que, no âmbito da comunicação, é preciso que haja marcas internas à obra que permitam identificar o objeto como um objeto em destaque pela sua existência em favor de algo que não apena existir. “Argumento para o espaço”, novo espetáculo da Mímese Cia de Dança-Coisa, tem apenas como marca o fato de acontecer num palco, com trilha sonora, com figurinos e com refletores que, ao acender, marcam o início e, ao apagar, marcam o fim. Ou seja, internamente, quase nada o justifica enquanto objeto artístico. Voltando à metáfora inicial, podemos encontrar nesse espetáculo, letras bonitas, formas bem apresentadas, mas nada pode ser lido além do fato visível de ser várias letras dispostas em uma folha. De forma objetiva, sai-se certo que estamos diante de bons bailarinos, e Luciana Paludo e Thiago Rieth são os melhores, mas nada além.

O espetáculo é composto de dois momentos. No primeiro, “Voar é com os pássaros”, Luciana Paludo, vestida de negro, dança ao som do piano tocado ao vivo por Ettore Sanfelice. Pelo jeito como os seus movimentos são apresentados, mas, também, pela palavra “pássaro” estar presente no programa entregue na entrada do teatro, é possível que a interpretação da bailarina seja lida no sentido de apresentar uma figura próxima de uma ave. Por ave, à cabeça (minha), vem a ideia de liberdade, de vôo, mas também de fragilidade. Ponto final. Um ângulo de 45º aberto para cima é um V, para baixo e com um traço no meio é um A. Um ângulo de 90º aberto para o lado direito é um L. Uma linha vertical é um I. E, assim por diante, no uso da imagem como argumento para a análise.

No segundo momento, “Outra espécie”, um grupo de bailarinos (seis mulheres e dois homens) dança ao som da música uma coreografia marcadamente contemporânea, isto é, movimentos cuja tensão está nas extremidades de onde sai o impulso; desarticulação na relação entre os intérpretes, o que configura uma coreografia da diferença, e, por isso, distante da dança tradicional; e a exploração de diferentes variedades de ritmos, de formas, de níveis e de tonalidades. A opção estética que se vê na escolha dos figurinos (Laura Bauerman) une os artistas em cena, isto é, propõe uma articulação: todas as bailarinas usam vestidos longos e leves, alguns lisos e outros estampados, enquanto os homens vestem calças e camisas lisas e também leves. Mas figurino é signo plástico e não cênico e, portanto, ele ilustra, complementa e, por si só, não torna um movimento em um signo teatral.

“Argumento para o espaço”, assim, é um espetáculo com início, meio e fim, mas que não oferece ao público chances de fruí-lo como um texto, a não ser pelo fato de ter um título, uma primeira e última linha e uma assinatura. Oferece imagens interessantes, construídas por artistas que exibem, com algumas exceções, talento e técnica, mas que não se articulam, nem se estruturam sob uma possível conceitual desarticulação.

*

Ficha técnica:
Desenho de luz: Karrá
Figurino: Laura Bauerman

"Voar é com os pássaros"
Ensaiadora: Bethany Martínez
Intérprete: Luciana Paludo
Coreografia: Eva Schul
Música: Ettore Sanfelice/em forma acústica

"Outra Espécie"
Concepção e interpretação: Luciana Paludo
Intérpretes colaboradores: Ana Carolina Klacewicz, Bethany Martínez, Paola Vasconcelos, Paula Finn, Regis Coimbra, Roberta Pedroni, Thiago Rieth.
Assistente de coreografia: Roberta Pedroni

28 Comentários:

Luciana Paludo disse...

Rodrigo, agradeço a atenção em escrever sobre o espetáculo.
Sobre a crítica para “Argumento para o espaço” gostaria de saber o que você quis dizer com a frase: “Mas figurino é signo plástico e não cênico e, portanto, ele ilustra, complementa e, por si só, não torna um movimento em um signo teatral.”

Depois, no último parágrafo, você completa: “Argumento para o espaço”, assim, é um espetáculo com início, meio e fim, mas que não oferece ao público chances de fruí-lo como um texto [...].

Enfim, se eu quisesse que meu espetáculo fosse “fruído como um texto”, quem sabe, eu não precisasse dançá-lo... Sabemos que a unidade deverá ser trabalhada, mas, vejo que alguns pontos sensíveis do espetáculo não foram mencionados, como a relação da composição da música (especialmente do primeiro trabalho), com a coreografia. E o feedback de pessoas com muita experiência na DANÇA, foram potentes, nesse sentido.
Mas, sabemos que a apreciação é algo subjetivo; e depende muito das referências da pessoa, em relação ao objeto analisado.

A natureza do indizível que a dança instaura sempre deixará lacunas, pois, no espaço não caberão narrativas explicativas. Caberão formas, como se fossem argumentos, para aquele espaço-tempo; que sejam belas, que se segurem nos pressupostos da técnica – e que o trabalho se faça cada vez mais acirrado, de maneira a trazê-lo a termo em sua intencionalidade.
Att, Luciana Paludo.

Rodrigo Monteiro disse...

Olá, Luciana!

Em primeiríssimo lugar, gostaria de dizer que a oportunidade de te responder é maravilhosa. Há muito tinha abdicado de participar dos comentários do blog e, além disso, decidi não aceitar mais que pessoas ligadas às produções participassem desse espaço imediatamente após os textos referentes a elas. Li com atenção o teu comentário aqui e também o que postates no Facebook. Acho que você e o pessoal da dança tem muito a ensinar para o pessoal do teatro sobre elegância. Luciana Hoppe, Teté Furtado e Diego Mac contribuíram de forma reflexiva, educada e positiva. O nome disso é discussão e é isso que se quer em sites como esse. Parabéns a você e estes e que continuemos todos nós sempre assim.
Sobre as perguntas que fizestes, vou responder em partes.
1) “Sobre a crítica para “Argumento para o espaço” gostaria de saber o que você quis dizer com a frase: “Mas figurino é signo plástico e não cênico e, portanto, ele ilustra, complementa e, por si só, não torna um movimento em um signo teatral.””
R: O teatro não tem signos próprios. Ele se torna os signos de outras origens em signos teatrais. E só há teatro quando alguém (A) interpreta outro alguém/algo (B) diante de um terceiro (C). Dança e teatro são partes do mesmo todo e, discordando da Luciana Hoppe, um crítico de teatro é também um crítico de dança. É claro que na dança contemporânea, assim como no teatro contemporâneo há varias discussões sobre personagem (B): há ainda os bastante bem definidos e há as figuras, que são mais fluídas, com menos contornos. Figurino e maquiagem, assim como variações corporais, movimentos e relação com o todo da narrativa (ou da obra, sendo mais amplo) são signos que complementam a definição do personagem ou da figura, são afirmações que o ator/bailarino (A) faz sobre o personagem/figura (B). Quando a produção decidiu por vestidos estampados e lisos nas atrizes, a peça fez uma afirmação nesse sentido. Afinal, poderiam estar nuas, poderiam estar de malha, poderiam estar de biquíni ou de calças jeans. As estampas e a leveza dos figuinos, para mim, fazem uma “ponte”, ou seja, se articulam com o pássaro que você interpretou na primeira cena. Sendo que eu sei que era um pássaro pelos seus movimentos, pelo nome da cena contido no programa, essas duas também afirmações da produção (A) sobre a personagem (B). O espectador, assim, frui fazendo relações. Essas relações são de dois tipos: externas e internas. Nas primeiras, a gente vê a obra fazendo ligações entre ela com a nossa vida, o que inclui outras peças vistas anteriormente. Na segunda, nós vemos a peça fazendo ligações entre a peça com a peça, de uma cena a outra, de um signo a outro. Quando disse que faltavam articulações internas, apontei que faltavam sugestões para que as relações fossem feitas a exemplo do que acontece com o figurino. Voltando à questão, um vestido é um vestido. Quem torna o vestido em um figurino é o ator quando interpreta um personagem. Logo, um vestido no palco é só um vestido no palco. Mas quando um figurino veste um ator em cena, trata-se de uma firmação, de um signo estético. Por isso, eu disse que figurino é plástico e não cênico, porque ele não é cena, mas a ilustra.

Rodrigo Monteiro disse...

2) “Depois, no último parágrafo, você completa: “Argumento para o espaço”, assim, é um espetáculo com início, meio e fim, mas que não oferece ao público chances de fruí-lo como um texto [...].”

R: Texto vem de textura, ou seja, ligações entre uma coisa com a outra, como pontos numa manta de tricot. “Argumento para o espaço” me parece um espetáculo em que há vários elementos, mas eles não se relacionam, ou, melhor dizendo, a produção oferece poucos meios para o espectador estabelecer as relações entre eles, sendo a questão dos figurinos uma positiva exceção.

Rodrigo Monteiro disse...

3) “Enfim, se eu quisesse que meu espetáculo fosse “fruído como um texto”, quem sabe, eu não precisasse dançá-lo... Sabemos que a unidade deverá ser trabalhada, mas, vejo que alguns pontos sensíveis do espetáculo não foram mencionados, como a relação da composição da música (especialmente do primeiro trabalho), com a coreografia.”

R: Veja aí uma contradição. Se você reconhece que há uma relação entre a composição da música e a coreografia, que eu sinceramente não vi, embora me arrependa de não ter destacado a originalidade da música (composta especialmente para o espetáculo, como, agora, fiquei sabendo), você também reconhece houve a intenção de articular, isto é, textualizar. Logo, o teu espetáculo deveria, sim, ser fruído como um texto.

Rodrigo Monteiro disse...

4) “E o feedback de pessoas com muita experiência na DANÇA, foram potentes, nesse sentido. Mas, sabemos que a apreciação é algo subjetivo; e depende muito das referências da pessoa, em relação ao objeto analisado.”

R: Sem dúvida, a fruição é subjetiva e faço questão de dizer que a minha opinião é só a minha opinião e ela tem a ver com um espetáculo que, num determinado dia, eu vi. Muda-se o dia, mudaria, talvez, a opinião e essa é a bela da obra cênica, impossibilitada de haver o descolamento do criador (artista) e da criatura (obra). Mas, eu te garanto, tenho referências suficientemente boas para fruir qualquer espetáculo de dança, o que, deusulivre, não quer dizer que a minha opinião é mais importante do que a de outras pessoas, mas apenas significa que ela é tão válida como a de outras pessoas.

Rodrigo Monteiro disse...

5) “A natureza do indizível que a dança instaura sempre deixará lacunas, pois, no espaço não caberão narrativas explicativas. Caberão formas, como se fossem argumentos, para aquele espaço-tempo; que sejam belas, que se segurem nos pressupostos da técnica – e que o trabalho se faça cada vez mais acirrado, de maneira a trazê-lo a termo em sua intencionalidade.”

R: O indizível é um dizer antes de tudo e o não-dito é tema de diversos espetáculos tanto na dança como no teatro, assim como na música, nas artes visuais e na arquitetura. Se há a intencionalidade, há um dizer mesmo que esse dizer seja o não-dito ou o indizível. Sem dúvida preenches o espaço no seu cruzamento com o tempo e, por isso, constróis uma narração. E, nela, se vê técnica, talento e, sobretudo, seriedade. Isso é o mais positivo de tudo. Obrigado pela oportunidade de partilhar reflexões!

Rodrigo Monteiro disse...

Oi Rodrigo
Conheci hoje teu blog. Gostei. Fazem falta em Porto Alegre espaços pra gente discutir e pensar a dança e o teatro com uma reflexão mais aprofundada.
Cheguei no blog através desta crítica do espetáculo Argumento para o Espaço.
É engraçado pois, justamente, com esta crítica não concordo muito. Tive uma experiência do espetáculo bastante diversa da tua. Não tenho aqui pretensões analíticas, mas gostaria de compartilhar essa experiência dissonante pra contribuir com as reflexões que propões.
Minha experiência é dissonante da tua talvez, em primeiro lugar, pelo lugar de onde falo. Vi que tua trajetória vem da literatura para o teatro (ou me engano? foi isso que entendi pelo blog...). A minha vai da dança à antropologia, passando pelo teatro . Lugares de fala, e de percepção, bastante diferentes...
Assim que, de saída, me incomoda um pouco a ideia de que o espetáculo deva ser lido como um texto. Honestamente, quando vou a um espetáculo de dança, não é isso que estou buscando. Quando vou a um espetáculo de dança, estou buscando imagens que toquem minha percepção. Gosto das linhas de força que se tornam visíveis no espaço e que me deixam articular meus próprios sentidos. Imagens e linhas que me propiciem esse espaço ativo da construção do sentido.
É claro, imagens e linhas precisam ter uma articulação mínima, e nisso concordo plenamente contigo. Só que, para a minha percepção, o espetáculo Argumento para o Espaço ofereceu esta articulação. Principalmente, talvez, na primeira coreografia. Fiquei absolutamente tocada pela imagem-em-movimento daquela mulher-pássaro, pássaro-aprisionado-em-corpo-de-mulher que se deixava entrever pelos esgares de movimento, impulsos que não conseguiam escapar daquele corpo. De um movimento desesperado (desespero de som e movimento, perto do final o crescente da música que parece que vai levar aquele corpo à explosão)que culmina com o retorno ao confinamento, ao espaço do corpo-prisão, extenuado.

(Continua no próximo post)

Rodrigo Monteiro disse...

(Continuação do post anterior)

A luz, a meu ver, faz bem mais do que acender no incício e apagar no final. Faz jogos de sombra nos próprios músculos do corpo da bailarina, ora esconde ora ilumina aquele rosto sutilmente transformado à beira do abismo (quando ela chega bem à frente no palco, braços abertos, suspensos e leves como asas, olhos brilhantes e vivos, desejosos). O preto e branco do espaço, do figurino (preto contrastante com a pele muito branca), do piano rasgado por um faixo de luz que nos mostra apenas parcialmente seu tocador, me remete às danças expressionistas de Mary Wigman, embora todo o resto da coreografia tenha toda uma outra delicadeza, muito distante dos horrores da guerra expressados por aquela artista.
Acho que a coreografia é, de fato, quase narrativa mesmo. Mas uma narrativa poética, delicada, sensível, onde música, luz e movimento dançam juntos o tempo inteiro. E, nessa dança, me transportaram sim a muitos mundos interiores.
A segunda coreografia é talvez menos articulada, concordo contigo. As diferenças (dos seres diferentes dos quais nos fala o programa) aparecem mas poderiam ser trabalhadas. Vejo-as mais esboçadas do que realmente expostas. Também a proposta de criar as relações por jogos de impulso e resposta, pelo deixar-se impregnar pelo movimento do outro, responder ou não aos estímulos provocados pelas mudanças de diferentes corpos (e sons) no espaço, é uma proposta arriscada e que repousa invitavelmente num amadurecimento dos dançarinos. Na sutileza dos ínfimos movimentos tornados visíveis (um trabalho que demanda uma vida inteira. Não por acaso os ícones dos anos 60 (Trisha Brown&cia.) são hoje mais impressionantes do que nunca dançando.
Desta segunda parte, saí com a sensação de que faltava algo, e traduzi para mim mesma como sendo uma carência, ainda, de experiência (cênica e vivida) de parte do elenco. Mas também saí comovida com essa juventude em cena, se expondo e ousando. Acho fundamental que os jovens tenham coragem de ir além das formas convencionalmente aceitas, ou das técnicas que de certa forma "nos protegem" um pouco mais do risco e da exposição.
Abraço,
Helô Gravina

Rodrigo Monteiro disse...

Helô, belíssimo o teu comentário. E o mais legal dele é que ele não exclui a minha análise, assim como a minha não tem intenção de ser a palavra final, mas apenas uma palavra. Tu encontrastes, sobretudo na primeira cena, várias possibilidades de articulação que eu não encontrei. O que é ótimo. Para mim, essas possibilidades foram muito escassas, se mostraram constrangidas. Para ti, elas apareceram facilmente. E isso é lindo, não? E acontece sempre... Nenhuma obra de arte é unânime. Participou dos comentários no Facebook o Diego Mac. Várias produções dele me tocaram, mas não tocaram pessoas que foram comigo. O que é preciso que se entenda é que os apontamentos tanto de aspectos negativos como de positivos estão no mesmo patamar, já que o bom e o mau são relativos. Acho muito mais nocivo e desastroso (comentando o que disse o Airton Tomazzoni) não ser sincero consigo mesmo. Minha humildade consiste em valorizar o que sei e o que penso, sem achar que ela vale mais do que a dos outros. E sobre isso quero dizer que este blog é meu, meu nome está aqui e minha foto também. Então, senão digo o tempo inteiro "na minha opinião", "no meu ponto de vista", "segundo o meu entendimento" é porque acho que isso é desnecessariamente cansativo. Um abraço pra você e muito obrigado por me visitar e participar de forma tão positiva. Volte sempre!

Régis Antônio Coimbra disse...

Olá, Rodrigo. Minha experiência com arte é mais na área das artes visuais e na música, sou bastante neófito na dança e achei interessante tua análise, conquanto ela pareceu-me mais centrada numa (pertinente) perspectiva cênica. No entanto, talvez pelas minhas referências mais abstratas, achei "argumento para o espaço" deveras narrativa.

Parece que ambos concordamos que ela trabalha com imagens, movimentos, inclusive com muitos elementos quase naturalistas, isso é: explicitamente miméticos. No entanto, pareço ter visto recorrências, desenvolvimentos e mesmo uma ou duas historinhas que ou não viste ou consideraste que o "público em geral" ou "médio" não viu.

Penso que se eu encarasse o espetáculo em questão como uma obra musical, eu o acharia muito explicitamente narrativo, mais do que precisaria para ser uma obra válida e apreciável, gostando eu ou não da mesma. Já se eu o encarasse como uma peça teatral, talvez ele me parecesse muito abstrato e excessivamente não naturalista e talvez me perguntasse por que o apresentaram como "teatro".

Encarando como dança, o resíduo "naturalista" do corpo humano não excessivamente distorcido por figurino que o encaixotasse ou algo assim impede que seja excessivamente abstrato, mas permite que se afaste o uso de uma narrativa. Parece-me que isso não ocorre em "argumento para o espaço".

Penso que por opção estética a narrativa é sutil, não explícita, não verbalizada. No entanto, parece-me que não chega a ser misteriosa ou obscura. Além disso, em termos mais abstratos, de uma narrativa como um desenvolvimento coerente com contornos e ecos não muito difíceis de perceber (o que leva ao risco - não de todo indesejável - do delírio semiologizante), parecem-me haver elementos formais de idas, explorações e vindas em "voar é com os pássaros", e mesmo de reiterações com variações em "outra espécie" que tornam "argumento para o espaço uma obra de até relativamente fácil apreciação - independente de se gostar ou não gostar - isso é, possível mesmo para um relativamente neófito na dança, como eu.

Rodrigo Monteiro disse...

Seria justo cobrar de uma maçã, não ser ela uma melancia? Começo assim esse comentário por me sentir incomodado com a crítica sobre o espetáculo. Não pretendo aqui fazer a defesa da bailarina e coreógrafa Luciana Paludo que por sua trajetória dispensa essa atitude. Acho que fica evidente a necessidade de se dialogar sobre dança e espero que esse espaço possa servir para ampliar o horizonte sobre essa arte. Começo então por, ao mesmo tempo que defender a pluralidade de opiniões, buscar entender uma postura recorrente de se cobrar da dança algo que a dança necessariamente não se dispõe a ser, especialmente de olhares marcados por exigências literato-teatrais. Não sinto essa cobrança de um Yamandú Costa ou de uma Orquestra em seu concerto. Eles precisam mostrar qualidade na linguagem que operam e fazer boa música, mais do que atender meus desejos de significados e narrativas que posso tranquilamente a eles emprestar. Por isso, sinto essa resistência no texto a poder enfrentar uma obra de dança no território de seus elementos: formas, volumes, nuances, dinâmicas, estados corporais que se esboçam e se dissolvem. Dança pode ser entendida como texto, no sentido semiológico de um “tecido”, mas de um tecido de signos não necessariamente verbais e teatrais e que articulam de maneira distintas. Se pretendo adentrar o território da dança, devo estar atento que essa tessitura pode ser de outra ordem. Aliás, semioticamente falando, os signos de primeira instância são os sensoriais, inerentes às qualidades e menos aos conceitos. Gosto de poder pensar numa dança que pode trafegar por essa via e que dispense os libretos do século XVIII ou os arautos do século XVI que explicitavam o sentido das coreografias. Isso não impede que consiga reconhecer todas as danças conceituais e narrativas. Estou sendo sintético, numa questão bastante complexa, mas que exige, mais do que gostar ou não gostar, de uma aproximação com o que a dança está produzindo e de que maneira e modos produz a infinidade de possibilidades que cabem dentro daquilo que pode ser dança. E talvez assim evitar que alguém venha a cobrar que Beckett fosse um pouco mais claro e menos absurdo em seu teatro. Espero que minha opinião possa ser também contemplada e aceita mesmo que divergente. (Airton Tomazzoni)

Rodrigo Monteiro disse...

Depois de ler o comentário do Airton, me pergunto e "passo a bola pra vocês" o seguinte: ao defender com tanto amor (e força) a subjetividade de espetáculos de dança contemporâneos será que não está se fazendo uma apologia a não-crítica. Criticar significa avaliar, reconhecer propostas e descobrir o que o alcance ou não delas, enfim, analisar mais do que apenas descrever. Se somente a subjetividade for defendida, e eu proponho que ela seja reconhecida mas que não exclua a objetividade, então, haverá sempre que se falar bem de todas as produções ou não falar. Penso que isso seria muito prejudicial. Penso que nenhuma obra de arte deve se eximir da crítica ou então discussões tão bonitas como essa que estamos construindo não existiriam.

Régis Antônio Coimbra disse...

Sobre o texto de Airton, não o li como uma defesa (ao menos não assumida) da subjetividade, mas sim dos elementos típicos e formais de cada tipo de obra.

O trabalho de Yamandú que vi algo recentemente, lá na Casa M, aliás, era deveras híbrido (dança, música, texto, cena...) e cobram-me uma apreciação complexa. Então, o comentário de Airton pareceu-me interessante por trazer (ainda que de passagem) a questão das linguagens híbridas em arte.

A dança, como o teatro, tem esse caráter híbrido como algo relativamente típico. É possível dança sem música, mas penso ser impossível dança sem cena. No entanto, mesmo que se possa explorar mais uma cena e narrativa (ainda que sem texto verbal, ou o deveras explorando), a dança não é necessariamente também teatro e mesmo a Tanztheater não é teatro, é antes dança ou, enfim, Tanztheater.

Penso que o comentário de Airton foi mais nesse sentido, ressalvado que possas estar certo, Rodrigo, quanto às suas motivações ou, enfim, subjetividade envolvida. Isso é, o que está ali escrito, nas linhas, é sobre os elementos típicos e formais, ressalvado que nas entrelinhas possa haver o que leste.

Voltando ao "argumento para o espaço", penso que há no que foi mostrado elementos típicos e formais da dança que podem ter sido melhor ou pior apresentados, conectados etc, mas estavam lá.

Nisso, aliás, discordo de Airton de que numa música se precise fazer boa música, ou questiono ao menos a expressão, a qual penso ser um pouco "enganadora", isso é, tende a induzir a uma estética do bonitinho, mesmo que essa não tenha sido a intenção dele. Uma música pode ser deliberadamente mal cantada não só para fins cênicos (um indivíduo A interpretando uma personalidade B - dele, de outro ou de ninguém real - que canta ou toca mal um instrumento) mas mesmo para fins estritamente musicais, numa crítica à estética do bonitinho ou mesmo do afinado - ainda que se trate de uma música tonal tradicional, como em algumas versões de "Desafinado" de Tom e Newton Mendonça, apresentada inclusive como uma música popular e ressalvado o caráter cênico e mesmo político daquela obra.

Bom... espero não estar fugindo ao tema e abusando do espaço que, aliás, parece-me que está muito interessante precisamente com a diversidade de perspectivas. Abração!

Diego disse...

Não vi o trabalho. E talvez, por isso, não deva falar especificamente dele. Até poderia tecer algum comentário baseado no que conheço da poética da Lu Paludo.

Contudo, parece-me que o problema aqui é mais a impossibilidade de crítica da dança por agentes externos a ela do que o espetáculo e a análise do Rodrigo Monteiro.

Estranham-me os argumentos que validam, ou melhor, que tornam importantes somente as críticas que vem de dentro do sistema da dança, como se apenas as análises oriundas de quem reside no campo tivessem relevância.

Percebo isso porque a perspectiva de análise de Rodrigo Monteiro é clara. E é válida. E é importante também.

Por que a insistência em fazê-lo entender outra coisa, diferente da percepção que teve? Por que a insistência em desconstruir seus argumentos e reconstruí-los a partir de outra perspectiva? E pior: de um ponto de vista que se quer uma verdade absoluta em relação à dança, suas estratégias poéticas, suas formas de relação com o contexto, etc. Não. Essa verdade não existe.

A percepção de Rodrigo é extremamente válida. Assim como também são as opiniões de qualquer pessoa que se relaciona com uma obra coreográfica.

A dança sofre do mal da mesmice e da clausura. São sempre as mesmas análises, os mesmos argumentos, as mesmas referências, e os mesmos ílio-psoas. E o paradoxo: muitos absolutismos.

Ótimo se nosso campo estivesse recheado de profissionais de áreas outras interessados em construir debates sobre a dança, seja da perspectiva da economia, da zootecnia ou da padaria. Talvez, assim, a dança poderia ter mais público e ser mais reconhecida como parte do sistema.

Airton Tomazzoni disse...

Exato Régis, uma leitura com atenção pode perceber que em momento algum defendo uma subjetividade de vale tudo. Agora saio para a produção do QUartas na Dança e mais tarde me alongarei, mas queria deixar isso enfatizado. Estou propondo que se busque parâmetros objetivos para guiar as análises, mas parâmetros condizentes com a obra, que no caso da dança quase sempre recai análises com parâmetros de outra ordem que parecem desprezar os fato objetivos que envolvem uma história, com movimentos estéticos e propostas artísticas fundamentadas. Meu texto desejaria ser uma espécie de apelo para que se olhe para os fatos da dança com mais cuidado, e não necessariamente com complacência.

Rodrigo Monteiro disse...

Pois, Airton, qual seriam esses "parâmetros condizentes com a obra" que não os que eu apontei? O que é um espetáculo de dança se não um ou mais bailarinos se movimentando em cena? O movimento, o gesto, a roupa, o cabelo, a maquiagem, a trilha sonora e a iluminação são os recursos que esse(s) bailarino(s) mobiliza(m). E eles não são, vamos lembrar, privilégio da dança, mas estão presentes em todas as manifestações cênicas. Quando tu cobras parâmetros da ordem da dança (em oposição aqueles
"de outra ordem"), penso se a discussão não está indo para a questão da especificidade da dança, conceito já abandonado por todos os teóricos. Não. Os parâmetros de análise da dança são os mesmos parâmetros das artes cênicas e bebem muito, sim, das fontes de "outras ordens", cujo estudo é mais antigo. Quero contar um fato. Eu fui assistir ao espetáculo "Argumento" com uma amiga diretora de teatro, bastante experiente e respeitável em Porto Alegre. Partilhando da mesma opinião que eu sobre a peça, ela disse que não saberia escrever sobre dança. E eu perguntei o porquê. Ela não soube me responder. Medo talvez. Medo dos bailarinos, dos profissionais da dança. Então, eu perguntei pra ela o mesmo que pergunto pra ti: que história é essa? Nós lemos e estudamos bastante, nós assistimos a diversos espetáculos de dança de Porto Alegre e de fora daqui há anos... Além disso, somos pessoas cultas, inteligentes e sabemos articular um discurso que expresse uma opinião. Mas, porque escrevemos mais sobre teatro, ou nos envolvemos mais com o teatro (quantos espetáculos de dança há em Porto Alegre e quantos há de teatro?), não temos autoridade para falar sobre dança? Desculpe, mas, para mim, isso é um absurdo, uma prepotência e, sobretudo, uma falta de humildade. Se há poucas pessoas que escrevem sobre dança é justamente por causa do medo que esse tipo de reação causa. Pois, bem. Não tenho medo do pessoal do teatro, não tenho medo do pessoal da dança. Minha opinião está aí e ela tem todo o direito de estar. Concordar com ela ou discordar é um segundo momento. Mas acho que há que se evoluir na recepção da crítica, porque fechar-se a ela é... :-(

Deixo claro que, de todos os comentários lidos até agora, o único nesse sentido foi o do Airton. Todos os demais não pararam na questão de eu poder ou não escrever sobre dança porque tenho formação em letras e escrevo mais sobre teatro, mas avançaram na contextação dos argumentos e, por isso, fizeram com o gostinho do espetáculo "Argumento" ficasse um pouquinho mais na boca.

Thiago Rieth Dias disse...

Inicio com uma frase desgastadíssima de Voltaire mas creio que melhor cabe.
“Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”

Dos cometários lidos fico com medo de duas (dentre tantas) partes lidas, escritas por Rodrigo Monteiro, em especial me assustei em como elas se completam. E é algo para que todos possam refletir...

"Mas, eu te garanto, tenho referências suficientemente boas para fruir qualquer espetáculo de dança". "não temos autoridade para falar sobre dança? Desculpe, mas, para mim, isso é um absurdo, uma prepotência e, sobretudo, uma falta de humildade"

Rodrigo Monteiro disse...

Thiago, falta de humildade? Então, eu repito o que disse: falta de humildade é não ser sincero comigo mesmo. Eu fiz duas faculdades e um mestrado em artes, cubro há três anos o POA EM Cena. Tu achas que eu deveria me envergonhar disso? Não. Não vou me envergonar. Ao contrário, vou me orgulhar. Reconhecer que tenho autoridade, não significa dizer que ninguém mais a tem. Ser bom em algo não é o mesmo que ser o melhor e, tampouco, o único. Leia com atenção os comentários e veja que eu disse algumas vezes que minha opinião é apenas uma e que a de outros é tão válida quanto a minha. Para mim, isso é ser humilde. Nõa é colocar-se abaixo dos outros, mas apenas como mais um.

Ettore disse...

Rodrigo, muito massa tua disposição em fazer uma reflexão com tua opinião sobre o espetáculo! Penso que a crítica é um elemento catalisador da arte, e mais do que isso, acredito que o “fazer crítica” é muitíssimo próximo ao “fazer arte”.
Partindo desse princípio, na minha posição de artista, me proponho um exercício muito interessante, serei crítico da crítica, para tal, tentarei analisar o ponto mais abordado no teu texto, articulação.

Confesso que o título da tua crítica (“Amostra de técnica, mas nada além”) me assustou um bocado, por dois motivos, o primeiro se deve ao fato comum de que a técnica na arte é vocabulário, e a menos que minha intenção seja a de escrever um dicionário, sempre almejo que minha técnica não se evidencie no meu trabalho, mas que se transmute em expressão. Nesse sentido interpretei teu título como algo um tanto agressivo, rotulando o espetáculo como uma amostra (nem sequer uma expressão) de vocabulário sem contexto. O segundo motivo do susto foi que pensei “Ah não! Com tanta coisa para se falar sobre o espetáculo alguém vai ficar esmiuçando, analisando e citando as técnicas que foram ou não foram usadas!”. Ainda bem! Teu texto não apresenta mais do que uma análise específica sobre técnica. A partir disso, entendo que faltou um pouco de articulação entre um título tão impactante e a crítica que se apresenta abaixo dele, já que em nenhum momento essa “amostra de técnica” foi evidenciada e exemplificada. Outro ponto que não fui capaz de encontrar alguma ligação foi tua metáfora: “Não importa quão cheia de curvas seja a letra, quantos detalhes suas formas assumam em relação ao básico, seu tamanho e preenchimento, tampouco o lugar que ocupam na folha.” Te pergunto o que exatamente serie esse “básico” dentro da tua metáfora, e depois, o que seria esse “básico” na dança?

Ettore disse...

“Voltando à metáfora inicial, podemos encontrar nesse espetáculo, letras bonitas, formas bem apresentadas, mas nada pode ser lido além do fato visível de ser várias letras dispostas em uma folha.”

“Pelo jeito como os seus movimentos são apresentados, mas, também, pela palavra “pássaro” estar presente no programa entregue na entrada do teatro, é possível que a interpretação da bailarina seja lida no sentido de apresentar uma figura próxima de uma ave. Por ave, à cabeça (minha), vem a ideia de liberdade, de vôo, mas também de fragilidade. Ponto final.”

Acho que esses dois pontos não se relacionam bem, afinal, nada pode ser lido além de movimentos dispostos nos espaço? Ou é possível que se leia uma figura próxima de ave? Se sim, é somente por causa do programa ou não? A meu ver, no momento em que surgiram na tua mente conceitos tão passíveis de debates e interpretações como “liberdade e fragilidade”, algo mais do que “várias letras dispostas em uma folha” foi definitivamente lido.

Ettore disse...

“No segundo momento, “Outra espécie”, um grupo de bailarinos (seis mulheres e dois homens) dança ao som da música uma coreografia marcadamente contemporânea, isto é, movimentos cuja tensão está nas extremidades de onde sai o impulso; desarticulação na relação entre os intérpretes, o que configura uma coreografia da diferença, e, por isso, distante da dança tradicional; e a exploração de diferentes variedades de ritmos, de formas, de níveis e de tonalidades.”


Não entendi se nesse ponto tu está descrevendo a coreografia do espetáculo, ou explicando o que seria uma “coreografia marcadamente contemporânea”. Caso seja a segunda opção, me corrijam os mais entendidos em dança, mas acredito que tais características não são passíveis de uma generalização dessas à dança contemporânea.

Ettore disse...

Estendo minha crítica agora à tua seguinte resposta:
“R: Veja aí uma contradição. Se você reconhece que há uma relação entre a composição da música e a coreografia, que eu sinceramente não vi, embora me arrependa de não ter destacado a originalidade da música (composta especialmente para o espetáculo, como, agora, fiquei sabendo), você também reconhece houve a intenção de articular, isto é, textualizar. Logo, o teu espetáculo deveria, sim, ser fruído como um texto.”

Como artista, acredito que no momento em que se cria algo e se intenta mostrar esse algo, a intenção de articular, ou melhor, de gerar sensações e sentimentos está inerentemente presente. Minha dúvida é mesmo quanto a esse textualizar, até que ponto um olhar, um abraço, um gesto em geral se configura como texto? Penso que na ânsia de racionalizar e comunicar, esquecemos que as sensações e os sentimentos precedem as palavras, signos verbais articulados que nada mais são do que representações referenciais quando os usamos para falar de coisas tão indizíveis ou explicáveis como sentimentos e sensações (justamente por isso, buscamos expressar tais coisas de outras maneiras). Tu mesmo me conquistou comentando que se o dia fosse outro, talvez a opinião fosse outra também, ou seja, nosso texto é um texto diferente a cada leitor que o lê e a cada contexto no qual é inserido. Tal reflexão me gera também um receio quanto à expressão “fruído como um texto”, talvez seja ignorância minha, mas nunca achei, por exemplo, os textos de Ezra Pound fruídos, contanto, para mim, isso não faz com que tais textos careçam de articulação ou que deixem de ser textos.

Ufa! Depois de tudo isso, dentre outras tantas maravilhosas reflexões, me dou conta do quão difícil é articular nossas intenções! Mas acredito que só assim, nos permitindo e proporcionando essa troca, podemos fazer com que a arte, a crítica, a poética, a estética e tantas outras coisas, ganhem cada vez mais qualidade, mais voz, mais expansão e expressão.
Agradeço mais uma vez, de coração e alma, tua disposição de ir ao espetáculo, pensar sobre ele, escrever e publicar, para mim, qualquer um que se permita vivenciar a arte pode ser um crítico do que quer que seja, e assim a partir de nossas opiniões e vivências somamos sempre uns aos outros. Parabéns pelo blog!

Ettore S.

Rodrigo Monteiro disse...

Ettore, meldeuz! Que maravilha! Como é raro encontrar uma discussão tão inteligente, tão profunda, tão instigante quanto a que ajudas a construir aqui, como alguns dos outros também o fizeram ao longo do dia. A cada post, eu reflito sobre o que eu disse sobre a peça e revisito a lembrança que eu tenho sobre ela e me avalio. Especificamente no caso dos teus posts, eu descubro em meu discurso alguns pontos a crescer e isso é um ganho para mim pelo qual te agradeço. Algumas questões, por exemplo, poderiam ter sido mais esclarecidas por mim (logo eu, que cobro da peça mais esclarecimentos... rsrsrs). Bueno: 1) texto não é só texto escrito, verbal, palavras... texto é qualquer estrutura que, quando lida a partir de suas articulações, se dá a ver como resultado de uma tessitura. Como eu usei a metáfora da caligrafia, acho que acabei por permitir uma certa confusão.
2) Não existe o básico na dança, poruqe não existe´, nas artes cênicas, um signo específico. O teatro não tem, como eu já trouxe, signo específico. O teatro torna teatral outros signos A pintura tem o pigmento. A música tem o tom. A arquitetura tem as retas. Mas o teatro não tem nada, porque tem tudo. O mais próximo que há disso é a presença de um ser humano a interpretar umpersonagem diante de um outro ser humano e esse é o processo de teatralização. Então, o que se tem é a teatralização e não o signo específico.

Rodrigo Monteiro disse...

Com a metáfora, o que eu quis foi dizer que, para mim, diferente de Helô Gravina que, como tu podes ver, conseguiu identificar várias possibilidades de relação, eu encontrei uma galeria de vários bons intépretes, assim como várias letras, mas que não se articular, ou não formam palavras. Helô, talvez por conhecer o idioma melhor que eu, conseguiu "ler" as letras e formar palavras que eu não consegui.

Rodrigo Monteiro disse...

Por fim, fruir é sinônimo de perceber. O sentir, na estética, é indireto. E indireto para todos. O ator não sente fome, mas expressa fome fazendo uma afirmação sobre o personagem/figura que está interpretando ou propondo. E o público também ñao sente fome, mas contempla a expressão do ator realizada na cena. Abraçar naõ é o mesmo que ver um abraço. No segundo caso, temos a fruição. E claro que o ator também vê o outro ator atuar e, por isso, de certa forma, também é público. Mas aí é aprofundar a questão e acho que não prcisamos fazer isso aqui...

Rodrigo Monteiro disse...

Por fim, muito obrigado pela tua generosidade em escrever isso: "Agradeço mais uma vez, de coração e alma, tua disposição de ir ao espetáculo, pensar sobre ele, escrever e publicar, para mim, qualquer um que se permita vivenciar a arte pode ser um crítico do que quer que seja, e assim a partir de nossas opiniões e vivências somamos sempre uns aos outros. Parabéns pelo blog!" OBRIGADO!!

Régis Antônio Coimbra disse...

Não sei se faltou humildade na crítica. O foco cênico, reitero, é adequado. No entanto, penso que a análise falhou em perceber uma narrativa que foi bastante presente e reiterada.

Não se trata de uma narrativa verbal, mas cênico-coreográfica. Não foi uma sucessão de imagens desconexas e o problema maior da análise é a tese excessivamente forte de que se tratou de técnica e nada mais. Isso, a rigor, é contraditório de partida, já que tanto o encadeamento quanto a atenuação do mesmo fazem parte da técnica e não só da linguagem, estilo ou contemporaneidade.

É, talvez, uma hipérbole. E o "talvez" faz ou deve fazer parte da figura. Se for óbvia, a figura perde a razão de ser, como na ironia, que decai em sarcasmo.

Nesse sentido, gostei muito do texto precisamente pelo seu tom provocativo. Se fosse preciso, "correto" etc, não haveria discussão mas "bah, curti muito!", "é isso aí, Rodrigo!", "faço minhas as palavras dele" (o que até houve, na sequência). Enfim, uma boa crítica, como uma boa resposta, deve ser atravessada, pois é isso que cria um diálogo: a explicitação das diferenças, expressas não só nas perguntas mas também nas respostas. Não se trata de dizer "sim" ou "não" à "pergunta" (sim, há uma narrativa explícita), mas de comunicar principalmente as perguntas que a obra suscitou ("há uma narrativa? em que sentido há ou, melhor, em que sentido não há?"), as respostas sendo retóricas, isso é, formas de explicitar as perguntas subjacentes.

"Técnica e nada mais" é uma "resposta" retórica, como "quente aqui...?" é uma pergunta retórica. Como na pergunta retórica se faz uma afirmação (está quente aqui!) ou um pedido (abre a janela... liga o condicionador de ar... tira a roupa...), na resposta retórica se propõe (provoca!) um questionamento.

Nem sempre funciona. Há uma tendência a não discutir, a concordar e dizer "bah... legal! curti! concordo sem tirar nem pôr..."; ou a ficar ofendido e não dizer nada publicamente, até para não dar cartaz ao desafeto - porque a questão degenera em, mais precisamente, maus afetos.

A crítica de Rodrigo deve ser, claro, lida de modo enviesado assim como de modo enviesado a crítica comenta a obra "argumento para o espaço". "Técnica e nada mais" é um esculacho que até cabe, abstratamente, esculachar. Mas essa é a obviedade que não faz uma narrativa interessante.

"João nasceu, cresceu, se reproduziu e morreu". Isso conta quase nada da vida de meu pai (João Carlos). Não o distingue como uma pessoa específica, singular, sujeito de paixões, reveses, ações e reações. Sequer o aborda para além de sua natureza animal genérica; não o apresenta como animal social (político, melhor traduzindo Aristóteles) e "tagarela", como repetia um professor de Filosofia da graduação e pós-graduação da UFRGS.

Uma narrativa interessante envolve complexidades, reviravoltas e coerência. A vida costuma ser ainda mais sofisticada e se a arte imita muito de perto a gratuidade da realidade, soa falsa, inverossímil. Trata-se de tratar o ruído como música e ao meramente focar no ruído, já o ouvir com padrões. Vários relógios mecânicos que conheci não faziam "tic-tac", mas "tic-tic-tic-tic...", mas os "imito" codificadamente como fazendo todos "tic-tac, tic-tac..."

Na dança e na crítica, há elementos típicos ou característicos que convém considerar nas suas especificidades e nas suas possibilidades de subversão. Um exemplo é falar dos dois melhores em campo, mais comum na crítica futebolística mas que Rodrigo usou de modo interessante na sua crítica teatral da coreografia a qual, de modo similar, usa no título geral o palavrão "argumento", mais usual (mas sem reserva de mercado) na Filosofia e no Direito.

Régis Antônio Coimbra disse...

Uma pequena correção: quando me referi ao trabalho de Yamandú que teria visto algo recentemente na Casa M eu o estava confundindo com Yanto Laitano. Deste, sim, é que vi um trabalho deveras híbrido apresentado por ele e Tatiana Rosa, com o título "Cobra grande".

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